Calote em ICMS é possível?

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Em julgamento recente, o Supremo Tribunal Federal, em sua maioria, entendeu como crime de apropriação indébita, com previsão legal no art. 2º, inciso II da lei 8137/90, a conduta do contribuinte que não recolher o ICMS regularmente declarado.

Para entender melhor o caso, o recurso foi interposto nos autos do RHC 163334 pela defesa de comerciantes de Santa Catarina denunciados pelo Ministério Público estadual por crime contra a ordem tributária por não terem recolhido no prazo determinado o imposto declarado em diversos períodos entre 2008 e 2010.

A lei 8137/90 prevê como crime “deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos”, com pena de detenção de 6 meses a 2 anos e multa. De acordo com o STF, ao julgar o RHC 163334, o contribuinte que regularmente declarar ICMS e não recolher os valores ao fisco enquadra-se no tipo penal descrito, na modalidade de apropriação indébita pelo seguinte raciocínio: o comerciante recebeu do consumidor, que estava embutido no preço da mercadoria, e não repassou ao estado. De acordo com o relator do processo, ministro Roberto Barroso, o valor do ICMS cobrado em cada operação não integra o patrimônio do comerciante, que é depositário desse ingresso de caixa.

Por essa razão, a conduta de não recolher o tributo regularmente declarado, de forma contumaz e com dolo específico, não equivale a mero inadimplemento tributário, e sim a apropriação indébita tributária, vez que o responsável tributário que o faz está tomando para si valor que não lhe pertence. Ou seja, para a caracterização do tipo penal, é necessário não somente que o não repasse ao fisco, como também a cobrança ao consumidor através do preço da mercadoria que embute em seus valores o encargo fiscal.

De acordo com o Ministro Dias Toffoli, que votou a favor da criminalização por dívida de ICMS declarado, é imprescindível comprovar que o responsável ou o contribuinte tiveram consciência e vontade explícita e agiram de forma contumaz de não adimplir com o Fisco. Ou seja, vontade consciente e deliberada de apropriação dos valores do fisco.

As teses contrárias as argumentações acima explicitadas perpassam pela ideia de que o direito penal estaria regulando matéria que cabe somente à execução fiscal, e que ademais, ao penalizar com prisão o não pagamento de tributo declarado, o STF estaria indo contra a Constituição Federal que veda a prisão por dívida, com exceção ao devedor de alimentos. Ou seja, a Suprema Corte estaria criminalizando a conduta de inadimplir com uma obrigação tributária, não no modo de sonegação fiscal, mas o simples fato do contribuinte deixar de pagar imposto que já foi declarado.

Importante salientar que a referida decisão da Suprema Corte tem um caráter político-econômico. Dados enviados ao STF demonstram que em 2018 a dívida declarada e não paga de ICMS em 22 estados era de mais de R$ 12 bilhões. A principal fonte receita própria dos estados membros da Federação advém da arrecadação do ICMS, e no país esse é um dos principais impostos sonegados. Ou seja, a falta de recolhimento intencional e reiterada desse tributo traz significativo impacto ao erário. Por essa razão, ao criminalizar a conduta de declarar e não repassar os valores ao Fisco, o Supremo visa, através da sanção penal, estimular os contribuintes a não agirem de forma reiterada pelo não pagamento do ICMS, sendo uma espécie de medida para tentar reduzir o número de inadimplemento do pagamento do ICMS.

Destaca-se que, ressalvados casos excepcionais, é improvável que alguém seja efetivamente preso pela prática do referido delito. A pena de seis meses a dois anos de detenção está sujeita à aplicação do instituto da transação penal, suspensão condicional do processo, e, em caso de condenação, é possível a substituição da pena restritiva de liberdade por medidas restritivas de direitos. Ademais, o pagamento do tributo é causa de extinção da punibilidade.

A equipe R | FONSECA se encontra disponível para prestar esclarecimentos e auxílios referentes aos assuntos tratados neste informativo.